Contratos de gaveta: possibilidades e limitações
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Contratos de gaveta: possibilidades e limitações

Quem nunca ouviu falar que, para aquisição de um imóvel, fulano fez um “contrato de gaveta”? Os chamados contratos de gaveta são instrumentos que documentam uma transação criando direitos e deveres entre as partes, mas que não cumprem os requisitos da lei para a transferência da propriedade imóvel de valor superior a 30 salários mínimos.

Isso porque o código civil prevê em seu artigo 108 que a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Por que os contratos de gaveta são tão comuns?

Esse tipo de contrato é celebrado com frequência e por três razões mais frequentes.

São os casos em que o imóvel em questão sequer possui matrícula (espécie de certidão de nascimento do imóvel) no Cartório de Registro de Imóveis, pois foi vendida uma área pertencente a um outro imóvel maior, muitas vezes uma fazenda ou algo do tipo.

Ou quando a pessoa que vende o bem não é o efetivo proprietário. Ou seja, o vendedor também não tem a propriedade do imóvel, mas somente a posse. É o que ocorre quando o imóvel não tem matrícula ou mesmo quando o vendedor também adquiriu a posse por contrato de gaveta, portanto não pode passar a escritura.

Ou ainda para evitar o pagamento dos impostos (ITBI) e emolumentos (valor a ser desembolsado no cartório) incidentes sobre as transações de compra e venda de imóveis. Nesse caso, vejamos um exemplo:

Suponhamos, em valores aproximados, que você compre um imóvel no valor de R$100.000. Considerando que o imóvel esteja na cidade de Juiz de Fora, você irá pagar aproximadamente R$ 1.644,30 para que se lavre a escritura de compra e venda no cartório de notas, R$ 2.000 referentes ao ITBI (imposto de transmissão de bens imóveis) e mais R$ 1.644 de emolumentos no cartório de registro de imóveis para averbar a escritura na matricula, somando no total R$5.288,30. Não são todos que tem condições de arcar com tantos custos, ainda mais em um momento aonde já está se desembolsando o valor do imóvel.

É nessa hora que muitos renunciam às formalidades e fazem contratos de gaveta. Isso porque esse instrumento, apesar de por si só não transferir propriedade, pode gerar diversos direitos e deveres entre os contratantes, como a obrigação de pagar, de entregar as chaves do imóvel, de transferir a posse, entre outros.

Quem não registra não é dono

Lembrando que o antigo ditado é verdadeiro: quem não registra não é dono! E o que isso quer dizer? O proprietário do imóvel é aquele que consta em sua matrícula como tal. Essa matrícula fica registrada no cartório de registro de imóveis competente na cidade onde o imóvel está inserido. Contudo, se você chegar com seu contrato de gaveta tentando transferir a propriedade do imóvel no registro, se o imóvel tiver valor superior a 30 salários mínimos – atualmente R$31.350,00 (trinta e um mil trezentos e cinquenta reais) – não será possível. Quando o imóvel tem esse valor é exigido por lei que o contrato se revista de um formato específico, e esse formato é a escritura pública lavrada em cartório de notas.

Mas os contratos de gaveta têm algum valor?

Sim, o contrato de gaveta – apesar de não ser apto à transferência de propriedade – pode indicar o início da posse e é instrumento apto a comprová-la, além de cria as obrigações contratuais, conforme aduzido acima – pagamento do valor acordado pelo imóvel etc.

Dessa forma o contrato de gaveta é capaz de gerar obrigação de pagamento, transferir a posse, gerar obrigação de celebração do contrato definitivo, dentre outras obrigações.

É importante diferenciar também o contrato de gaveta da promessa de compra e venda. Nesse caso, o vendedor é efetivo proprietário e assume o compromisso de, ao final da quitação das parcelas pelo vendedor, “passar a escritura” – que justamente é a obrigação de celebrar o contrato por escritura pública para que a propriedade seja efetivamente transferida.

Então, uma vez escolhido o caminho do “contrato de gaveta”, quais são as opções para regularizar o imóvel?

Usucapião

A forma mais comum de se utilizar o contrato de gaveta para aquisição de propriedade é a ação de usucapião.

A usucapião nada mais é do que a aquisição do direito de propriedade sobre um bem por determinada pessoa em função da posse contínua por determinado período sem contestação de terceiros, como se fosse o real proprietário desse bem.

Ou seja, a pessoa que adquiriu o imóvel por contrato de gaveta, ficou na posse por determinado período de tempo cuidando do imóvel, arcando com os impostos, sem que ninguém contestasse sua posse, pode ingressar com ação de usucapião e pedir que o juiz reconheça que ela é a proprietária do imóvel.

Nesse caso a sentença, substituirá a escritura pública do cartório de notas e será levada a registro no cartório de registro de imóveis aonde o bem tenha a matrícula. Se for o caso de o imóvel ainda não ter matrícula, a mesma será aberta.

Insta destacar que, muitas pessoas que adquirem o imóvel por contrato particular de compra e venda se planejam para futuramente ingressar com ação de usucapião para que tenham tempo necessário de posse. Contudo existe a opção de se ingressar com a ação de usucapião logo após a aquisição do imóvel por contrato particular de compra e venda em alguns casos. Vejamos.

O artigo 1.243 do Código Civil prevê que é permitida a soma da posse do antecessor para o fim de preenchimento do requisito de tempo de posse exigido para ingresso de ação de usucapião, desde que preservadas as mesmas características da posse. O antecessor aqui pode ser entendido como pessoa que ocupava a posse antes do comprador.

Exemplificando: no caso de aquisição de um imóvel hoje por instrumento particular de compra e venda, se o vendedor já se encontrava no imóvel há mais de 10 anos, com posse justa, mansa e pacífica, existe a possibilidade do comprador ingresse imediatamente com ação de usucapião, na modalidade prevista no artigo 1.242 do Código Civil.

Diante disso, é muito importante destacar a relevância do advogado não só para a elaboração do contrato, mas também sua participação na negociação que antecede o pacto.

O advogado com habilidade para atuar na área imobiliária irá aferir a possibilidade de soma da posse, as características da posse do antecessor, entre outros fatores que influenciam diretamente na aferição do próprio valor de mercado do imóvel. Se for o caso o contrato será todo elaborado para que o vendedor possa, desde já, ingressar com a ação de usucapião.

Em termos de custos, o interessante dessa ação é que, se o autor for beneficiário da justiça gratuita, além de não arcar com custas processuais, também não terá de pagar os emolumentos no cartório de registro de imóveis aonde a sentença será levada a registro.

Conclusão

Diante de todo exposto, resta demonstrado que os contratos de gaveta geram efeitos, mas nem sempre aqueles esperados por quem os celebra, que geralmente pretende de fato a transferência de propriedade. Ainda assim, esse contrato pode ser um importante instrumento para outras formas de regularização, como a usucapião, por exemplo.

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