Aprovado no Senado na semana passada (05/11/2025), o Projeto de Lei nº 1.087/2025 seguiu para sanção presidencial. Ele, que contempla a tão falada elevação da faixa de isenção do Imposto de Renda sobre salários de até R$5.000,00 mensais e, em compensação traz uma mudança que acalora o debate tributário no Brasil: a tributação sobre dividendos.
Embora a ampliação da isenção pareça, à primeira vista, um avanço para a população, o projeto esconde uma contrapartida relevante — a tributação de até 10% sobre os lucros e dividendos distribuídos por empresas a pessoas físicas, medida que impacta diretamente empresários, investidores e titulares de holdings patrimoniais e, indiretamente, toda a população.
Neste artigo, analisamos de forma técnica e crítica os principais pontos dessa proposta e suas consequências práticas.

Em suma, a proposta é a Isenção para renda mensal de até cinco mil reais e, em contrapartida, a tributação de dividendos em até 10% (a partir de R$50.000,00 por mês).
A falsa sensação de benefício com o aumento da faixa de isenção
A principal justificativa do Governo e apoiadores para o PL 1.087/25 é o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda para pessoas físicas, medida apresentada como forma de “justiça fiscal”.
Inteligentemente adequada a toda a narrativa de tributar menos os que recebem menos, essa proposta não desagrada quase ninguém: quem está na faixa quer ficar isento, claro. E mesmo que não está acha justo que a tributação seja cada vez mais restrita e com generosas camadas de isenção (afinal, pelo pensamento liberal o ideal é sempre a menor intervenção possível).
Entretanto, a defasagem acumulada da tabela do IR já ultrapassa 150% em relação à inflação, segundo dados da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco). Isso porque a tabela do IR não é totalmente corrigida pela inflação há décadas, com a última correção integral ocorrendo em 1996.
Em outras palavras, a correção da tabela é uma necessidade natural diante da perda do poder de compra do contribuinte — e não um benefício concedido pelo Estado. E, como isso não vem sido feito de forma plena de 1996 para cá, fato é que várias pessoas vêm sendo “enforcadas” pela cobrança do imposto de renda.
O problema é que, ao invés de fazer o que seria o certo, ou seja, corrigir integralmente a tabela e, somente com isso, chegaríamos a pouco mais de cinco mil reais de faixa de isenção, isso passa a ser apresentado como um “benefício” ou, para evitar um termo mais técnico, uma “benevolência” por parte do Estado.
Acontece que, para “compensar” a redução da arrecadação gerada por esse ato de “atenção e bondade”, o Governo cria novas fontes de tributação, especialmente sobre rendas de capital – porque precisa justificar a “perda de arrecadação”.
Assim, o que se apresenta como justiça social, na prática, torna-se simplesmente um aumento da carga tributária, deslocando o ônus para quem gera riqueza e empreende.
Por que dividendos não são “isenção por privilégio”
Um equívoco recorrente no debate público é tratar a não tributação dos dividendos como um “favorecimento” aos empresários. Na realidade, essa isenção decorre de um princípio de coerência do sistema tributário.
Os dividendos representam lucros já tributados na pessoa jurídica, após o pagamento de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS. Tributar novamente esse valor na pessoa física seria o mesmo que cobrar imposto sobre imposto.
Vale lembrar que o Imposto de Renda incide sobre o acréscimo patrimonial efetivo, e não sobre o faturamento bruto. Da mesma forma, quando estamos diante de uma declaração de Pessoa Física que não atua com atividade empresarial, não se tributa tudo o que recebe de rendimentos líquidos. Há primeiro todos os abatimentos das despesas para aí sim se chegar à RENDA e, essa sim, é a base de cálculo do imposto.
Nesse sentido, quando diante de contribuintes que possuem rendimento isentos, não há que se falar em despesas a se abater porquanto não há base de cálculo a ser reduzida.
Assim, seja exercendo uma atividade remunerada através de trabalho assalariado seja empreendendo a lógica é a tributação sobre o lucro, o efetivo ou presumido resultado positivo e não o faturamento.
Tributação de dividendos na fonte: uma antecipação forçada do fato gerador
O PL 1.087/25 prevê ainda que, a cada mês em que os dividendos ultrapassarem R$ 50.000,00, será retido na fonte o percentual de 10%, senão vejamos:
Art. 6º-A. A partir do mês de janeiro do ano-calendário de 2026, o pagamento, o creditamento, o emprego ou a entrega de lucros e dividendos por uma mesma pessoa jurídica a uma mesma pessoa física residente no Brasil em montante superior a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) em um mesmo mês fica sujeito à retenção na fonte do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas à alíquota de 10% (dez por cento) sobre o total do valor pago, creditado, empregado ou entregue.
Na prática, isso significa que o contribuinte pagará o imposto antes mesmo da ocorrência do fato gerador, que, segundo o próprio sistema de apuração do IR, só se consolida ao final do exercício fiscal, em 31 de dezembro de cada ano.
A medida configura uma antecipação compulsória do tributo, contrariando a lógica do direito tributário e gerando impactos negativos no fluxo de caixa de empresas e investidores, especialmente aqueles com rendimentos variáveis.
Isso sem contar que o projeto de lei já prevê tal retenção a partir de janeiro de 2026, ou seja, desrespeitando o princípio da anterioridade nonagesimal (ou seja, a necessidade de observância de um prazo mínimo de 90 dias para a instituição de um novo tributo).
A distorção da alíquota mensal e o “empréstimo forçado” ao Fisco
Outro ponto crítico é a forma distorcida como a alíquota será aplicada. O projeto prevê que, no ajuste anual, dividendos até R$ 600.000,00 anuais permanecerão isentos, e que a alíquota máxima de 10% só se aplicará a partir de R$ 1.200.000,00 anuais. Nesse meio termo, a alíquota será progressiva até o máximo de 10%.
Ou seja, ao reter 10% sobre qualquer valor que ultrapasse R$ 50.000,00 por mês, o Estado antecipa a cobrança sobre rendas que, no cálculo anual, poderiam ser isentas ou enquadradas em alíquotas inferiores.
Vejamos o teor do Projeto de Lei no que toca a esse ponto:
Art. 16-A.A partir do exercício de 2027, ano-calendário de 2026, a pessoa física cuja soma de todos os rendimentos recebidos no ano-calendário seja superior a R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais) fica sujeita à tributação mínima do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas, nos termos deste artigo.
§ 2º A alíquota da tributação mínima do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas será fixada com base nos rendimentos apurados nos termos do § 1º deste artigo, observado o seguinte:
I – para rendimentos iguais ou superiores a R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais), a alíquota será de 10% (dez por cento); e
II – para rendimentos superiores a R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais)e inferiores a R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais), a alíquota crescerá linearmente de 0 (zero) a 10% (dez por cento) (…).
Esse mecanismo transforma a tributação dos dividendos em uma espécie de empréstimo forçado ao Fisco, que, após a declaração anual, deverá devolver os valores pagos a maior — um processo burocrático, moroso e que inverte a lógica da arrecadação justa e eficiente.
Impactos para empresários e holdings familiares com a tributação sobre dividendos
A proposta de tributação sobre dividendos, embora apresentada sob o argumento de equilíbrio fiscal, coloca em xeque a própria coerência do sistema tributário brasileiro, além de nitidamente buscar “sobrecarregar” um grupo e, ao final, impactar toda a sociedade.
Afinal, se esse passa a ser um novo custo para as empresas, o mais natural é que esse adicional de carga tributário seja de alguma forma absorvido pela empresa e, logo, repassada através dos preços dos produtos e serviços.
A partir de 1996, os dividendos passaram a ser isentos e, em compensação, um adicional de IR foi agregado às empresas para que tudo fosse pago diretamente através das Pessoas Jurídicas. Agora, elas continuam pagando esse adicional e incorporarão ainda essa necessidade de retenção na fonte dos dividendos tributáveis.
A volta da tributação sobre dividendos não deve ser analisada apenas sob a ótica arrecadatória, mas sim sob a lógica da justiça tributária, segurança jurídica e prezando sempre pela menor intervenção possível do Estado na vida do contribuinte. A política fiscal precisa evoluir para simplificar e equilibrar o sistema — não para punir quem empreende, investe e gera empregos. Vivemos em uma teia e tudo o que afeta um grupo, acaba respingando em todos os demais.
Empresários, investidores e profissionais liberais que recebem rendimentos de capital devem acompanhar atentamente a tramitação e regulamentação da lei, além de buscar planejamento tributário e societário adequado para mitigar os impactos dessas mudanças.
Conclusão: justiça fiscal ou aumento disfarçado da carga tributária para todos?
Aquele que emprega é o mesmo que admite ou demite funcionários, assim como é o mesmo que consegue comercializar bens e serviços de forma mais cara ou mais barata. É uma pena que, no geral, tenhamos tão pouca maturidade para entender como funciona o sistema e como é prejudicial pinçarmos apenas uma de tantas faces que ele possui, principalmente quando colocamos uns contra os outros.
Nosso progresso e evolução somente vigorará quando tivermos uma visão mais ampla, sistemática e respeitosa para com todos que compõem essa teia de relações que co-criamos a cada dia de nossas vidas!
Relativamente à parte técnica, muitos questionamentos poderão surgir relativamente à antecipação do fato gerador e à inobservância do prazo nonagesimal.
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Nos próximos artigos, abordaremos outros pontos relevantes do PL 1.087/25, como as alterações na tributação de aplicações financeiras e os reflexos sobre holdings patrimoniais e familiares, inclusive sobre o IR que passará a constar sobre valores recebidos por doação em adiantamento da legítima.