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Quem vai assumir minha empresa depois de mim?

Embora sua empresa tenha hoje uma configuração de sócios, amanhã poderá ter outra (e provavelmente terá). Nesse caso, quem assume a empresa quando o sócio-administrador não mais puder ou quiser fazê-lo?

Em minha atuação profissional, algo que muito me inspira é auxiliar as empresas através do chamado “acordo de sócios”, que são contratos capazes de regular tudo o que há de mais importante na relação societária. Um tópico que é sempre abordado no acordo de sócios (e que também deve ser matéria do contrato social) diz respeito ao quadro societário.

Alguns problemas práticos que pegam nossos clientes de surpresa são:

  • Talvez um sócio queira alienar suas cotas, mas os outros não estão de acordo;
  • Um dos sócios pode vir a se separar e o cônjuge pode se achar no direito de participar da empresa;
  • Inevitavelmente todos nós vamos falecer em algum momento e é preciso entender o que será feito dessas suas cotas;
  • Entre outras questões, mais ou menos raras.

O que é preciso fazer, então? Quem assume a empresa?

É preciso ter a consciência de que tudo na vida passa e que, se hoje você tem controle sobre algumas coisas, amanhã pode não ter mais. Então, é preciso prever o que pode acontecer para, refletidamente, definir como as peças deverão se encaixar em momento futuro.

Em relação aos exemplos citados acima, tudo pode ser estipulado através do contrato social e do acordo de sócios, ou seja, tudo dizendo respeito à mesma categoria: alteração do quadro societário. É preciso ter previsibilidade!

Vamos nos concentrar nesse artigo na hipótese em que sua possibilidade de controle fica mais limitada, qual seja, a hipótese de falecimento. Afinal, nas duas primeiras, ainda que circunstâncias alheias à sua vontade possam vir a acontecer, você ainda estará vivo e com possibilidade de influenciar na tomada de decisão. Diferente é quando um dos sócios falece. E aí, o que será feito de suas cotas? Quem assume a empresa?

Falecimento de sócio

De acordo com a legislação, em caso de falecimento de sócio suas cotas serão liquidadas. É o que dispõe o caput do artigo 1.128 do CC, aplicável às sociedades simples e também às sociedades empresárias. Ora, mas tantas vezes o herdeiro assume a empresa no lugar dos pais, não é verdade?

Sim. E isso ocorre porque existe também essa possibilidade. Mas ela precisa estar expressa! Então, fique atento: se você deseja deixar sua empresa para seus filhos ou algum filho especificamente, deixe tudo programado para tal.

Em regra, os documentos capazes de regular sobre tal matéria são públicos, então aqui não se está falando em fazer nada “errado” ou “ilícito”, pelo contrário. É uma forma de já deixar estabelecido, sem sombra de dúvidas, o que se deseja para a empresa.

As exceções trazidas pela lei são as seguintes: previsão diversa no contrato social, dissolução da sociedade e acordo com os herdeiros do sócio falecido. Vamos explicar cada uma delas, previstas no Código Civil.

Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:
I – se o contrato dispuser diferentemente;
II – se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;
III – se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido.

Previsão no contrato social

É possível que seja previsto no contrato social como se dará a sucessão das cotas dos sócios em caso de falecimento. Nesse sentido, fica desde logo estipulado o destino daqueles bens, tanto em seus efeitos patrimoniais como pessoais.

Veja-se que o nosso código civil prestigia a autonomia das partes, sendo certo que a previsão legal é ampla e genérica, ao passo que os interessados podem estipular conforme lhes convier.

O que ocorre muitas vezes é que o contrato social também é genérico, comumente repetindo a diretriz legal. Já convivemos com dezenas de casos em que os sócios (de grandes empresas inclusive) não sabem o que dispõe o próprio contrato social a esse respeito. E isso ocorre porque o documento acaba sendo utilizado como instrumento pro forma, ou seja, apenas para cumprir uma função burocrática, que é o seu registro na Junta Comercial.

Em muitos casos, portanto, os contratos sociais das empresas são padronizados, modelos da própria Junta Comercial. Sabemos por experiência que em muitos casos isso até ajuda a empresa no momento da abertura (muitas vezes feito às pressas), evitando o apontamento de pendências por referido órgão.

Mas, embora exista esse lado prático, sem dúvida algumas questões relevantes podem ficar desabrigadas porque o assunto não foi devidamente deliberado e simplesmente constou da forma mais simples e, não raro, genérica.

O instrumento que definitivamente vem a suprir esse lapso é, justamente, o acordo de sócios, documento que também poderá ser arquivado na Junta Comercial ou, pelo menos, orientar as devidas alterações contratuais, com o fito de se registrar a vontade daqueles sócios, conforme a realidade da sua empresa. Trata-se de contrato muito mais personalizado, fruto de real deliberação e manifestação da vontade dos envolvidos. Temos aqui no blog um artigo sobre o tema.

Caso não seja estipulada cláusula específica em que é determinado o destino das cotas de cada um dos sócios, caberá a deliberação aos sócios remanescentes, conforme as hipóteses seguintes.

Dissolução da sociedade

Considerando que a sociedade se resolve em relação a um dos sócios, no caso de liquidação em decorrência da morte, os sócios remanescentes terão a opção de se manter na sociedade ou também de decidir encerrar as atividades. Nesse último caso, a hipótese é de dissolução.

Essa alternativa é mais remota e não é estimulada pelos princípios orientadores do Direito de Empresa, quais sejam, o princípio da continuidade da empresa e o princípio da função social da empresa.

Nada obstante, é possível que tal alternativa pode se tornar conveniente ou mesmo necessária quando a empresa se vir impossibilitada de pagar os haveres devidos sem que isso comprometa sua saúde financeira, não só no curto, mas também no médio e longo prazo. Ou seja, a empresa se esvazia sem que vislumbre condições de se recompor.

Nesse caso, a hipótese será de aplicação do artigo 1.102 para extinção da sociedade.

Substituição do sócio falecido – herdeiro assume a empresa

Existe ainda a hipótese de acordo entre os sócios remanescentes e os herdeiros do sócio falecido, que pode ser a melhor alternativa quando, não tendo sido feita nenhuma definição prévia, as condições são amistosas.

Lembre-se: só há ambiente para negociação quando há boa vontade entre as partes. Caso contrário, tudo fica difícil, forçado e sem muitas chances de se sustentar no tempo.

Nessa hipótese, os herdeiros do sócio falecido ou seus legatários deverão manifestar interesse no ingresso da sociedade (já que ninguém é obrigado a se associar, pelo princípio da affectio societatis) e, obviamente, os sócios remanescentes deverão se manifestar sobre sua aceitação ou não acerca do ingresso de cada um dos interessados. Assim, há uma deliberação acerca de quem assume a empresa no lugar do sócio falecido.

É bom registrar que as sociedades simples e nas empresárias, que são a maioria no Brasil, baseiam-se precipuamente na pessoalidade (traduzindo o princípio intuitu personae). Nesse sentido, os sócios se escolhem com base no que representam um para o outro, sendo fundamentais os elementos da confiança mútua (não só nos aspectos do caráter mas também da competência e habilidades profissionais).

É assim que se explica claramente que o sócio remanescente pode não estar de acordo com o ingresso dos filhos de seu então sócio, porque talvez a confiança e segurança então depositada no sócio falecido não seja extensiva a seus herdeiros. E isso é perfeitamente normal. Aqui no escritório podemos exemplificar: eu escolhi a Marta como sócia e temos uma história juntas, já tendo sedimentado um relação de confiança. Mas, não sei como será a vida, cabeça, mentalidade e pertinência de seu filho Eduardo (hoje um bebê no ventre) em relação ao escritório. Então seria natural que, na falta dessa segurança, eu me opusesse ao seu ingresso na sociedade comigo.

Ao contrário, quando é o caso de atuação conjunta dos herdeiros dentro empresa – possibilitando a necessária convivência entre os envolvidos e também a vivência da própria empresa – é possível que se verifique a pertinência e afinidade de cada um dentro daquela estrutura. Nesse sentido, o planejamento sucessório é um ótimo instrumento para orientar essa “passagem de bastão”.

Muitas vezes, ao falecer um dos sócios, tal possibilidade torna-se inexequível. Como se fosse “tarde demais” mesmo, porque isso não foi pensado ou executado a tempo. Então, pensando na saúde e sustentabilidade da empresa, o ideal é que isso seja deliberado e preparado com antecedência. Não sendo possível, não havendo compatibilidade, não havendo acordo entre as partes, outro caminho não restará senão a liquidação das cotas do falecido.

Conclusão

Diante de todo o exposto, fica o alerta para que os empresários se questionem: quem vai assumir minha empresa depois de mim e também ajam de modo a deixar tudo documentado. É tão importante essa clareza e essa formalização!!…

Para além de oportunizar a continuidade e profissionalizar a família empresária, é uma forma de trazer tranquilidade para os  mais antigos e segurança e perspectiva para os mais novos que têm interesse de fazer parte da empresa. Importante enfatizar que, no caso de definição e formalização em vida, os demais sócios devem concordar com a disposição (naturalmente, já que passa a consta no contrato social), pelo que não há que se falar futura aceitação ou não dos sócios remanescentes, em relação às cotas do sócio falecido.

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Post Tags :

empresa familiar, morte de sócio, sócio falecido, sucessão de empresa, sucessão empresarial

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