A liberdade de expressão consiste na garantia da livre manifestação, na proteção jurídica de um espaço para que cada indivíduo possa se exprimir socialmente, enfim, no direito de se pronunciar ou de se manifestar de qualquer outra forma.
Expressar é o ato de revelar uma opinião, um sentimento, uma impressão sobre algo. Expressa-se de maneira espontânea ou milimetricamente calculada e, independentemente da forma, sempre se transmite uma mensagem.
Então, a liberdade de expressão é a garantia de livre manifestação de opiniões, sentimentos e impressões.
Por falar em direito, a nossa Constituição Federal diz que um de nossos direitos fundamentais é a liberdade e, especificamente, que:
Art. 5
(…)
II – Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.”
No mesmo sentido, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado pela XXI Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas de 1996,explicita que:
Art. 19 Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de sua escolha.”
Limites para a liberdade de expressão
Vale lembrar (e é sempre oportuno) que nenhum direito é absoluto. Isso significa que o direito à liberdade de expressão também tem limites. Esses limites foram fixados a partir da fronteira de outros direitos. Ou seja, ele vai até onde um outro direito começa.
A título de exemplo, eu posso sim me manifestar livremente, mas não posso injuriar uma pessoa. Isso porque, nesse caso, cometo um crime contra sua honra. Da mesma forma que o direito protege o meu direito de me expressar, protege também a honra de outra pessoa.
Como sugestão, recomendo a leitura do livro “Teoria da Argumentação Jurídica”, do Robert Alexy para se aprofundar no tema.
No entanto, é possível simplificar, considerando que o tema aqui dedicado é diverso. Compartilho, neste sentido, uma máxima que tive a sorte de aprender desde o primeiro ano do ensino fundamental (antes chamada de primeira série), a consagrada “regra de ouro”: “não faça com os outros o que não gostaria que fizessem com você”.
Isso seria uma forma simplíssima de se metaforizar uma ponderação de
princípios, além, é claro, de nos lembrar sobre o que é respeito.
Histórico da liberdade de expressão
Assim como a maioria dos direitos que temos consolidados, a liberdade de expressão foi tendo sua importância reconhecida devido aos percalços históricos com que a humanidade já conviveu, no sentido da falta dela. Isso porque, em vários momentos de nossa história, convivemos com a falta de espaço para a livre manifestação.
Ao passo que em eras arcaicas quase não se tinham normas sociais e tudo era possível, prevalecendo aquele que mais fortemente conseguisse impor sua vontade, também passamos por eras em que as normas eram extremamente estreitas e rigorosas, e por muitas vezes, totalitárias.
No absolutismo, por exemplo, as imposições eram arbitrárias conforme conviesse ao Rei, sem qualquer tipo de segurança jurídica relativa à previsibilidade. Em regimes totalitários, como o nazismo, até existiam regras, porém elas não eram criadas de forma democrática e hoje são reconhecidas como ilegítimas.
Enfim, apenas uma simbólica retrospectiva histórica para nos lembrarmos que conquistamos o direito à liberdade de expressão “aos trancos e barrancos”, através de nossa natural saga de erros e acertos e, sem dúvida, de muita luta em prol de melhores níveis de civilidade.
Por que, então, falar sobre liberdade de expressão em pleno século XXI?
Ora, o tecido social se modifica e se conforma a todo momento, e assim também acontece com o ordenamento jurídico.
Se, em muitos aspectos, já aprimoramos bastante o conceito e o respeito
a tal direito, seguramente ainda temos muito espaço para conquistar.
Dias atuais
Após a inserção da internet em nossas vidas, muita coisa mudou.
Nossos hábitos e estilos mudaram radicalmente se considerarmos que há poucas décadas essa tecnologia sequer existia. Como consequência do novo estilo de vida, a nossa forma de expressão também mudou.
Veja que, muito provavelmente, você se comunica com muito mais frequência no Whatsapp do que pessoalmente, certo? E se agregarmos à comparação todos os e-mails, redes sociais e qualquer tipo de plataforma virtual?
Hoje, a nossa interface digital é muito mais frequente do que a pessoal. O número de contatos, os serviços que prestamos, os produtos que compramos, a velocidade com que tudo acontece… Portanto, nosso envolvimento social é majoritariamente digital e, nesse novo contexto, nos comunicamos com mais frequência e mais abrangência.
Por outro lado, tais manifestações deixam maiores brechas para a exposição de nossa privacidade, que podem ser tratadas e utilizados para finalidades que nos fogem à consciência e, por esses e outros motivos, causar danos.
Contudo, essas são outras questões (não menos relevantes), atinentes ao direito à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao Instituto da Responsabilidade Civil, para citar alguns.
Aqui, será preciso focar apenas na atmosfera envolvendo o direito à
liberdade de expressão, tema que já rende um apanhado considerável de
ponderações.
A liberdade de expressão e a censura na era digital
O que há de específico sobre a liberdade de expressão no contexto da era digital em que vivemos? Vamos começar pela censura.
A censura é um grande ícone das discussões sobre liberdade de expressão. E não poderia deixar de ser, afinal, a censura seria, justamente, a ação que visa limitar essa liberdade de expressão. No entanto, não no sentido que abordamos anteriormente, que considerava a necessária conformação entre vários direitos da mesma categoria de importância.
A censura é um ato intencional que visa limitar o direito à liberdade de expressão de forma impositiva e autoritária. A censura é uma barreira artificial à liberdade de expressão.
Neste texto, tenho como objetivo provocar algumas reflexões pouco usuais. Normalmente, pensamos muito em uma censura vinda do Estado, como por exemplo no intuito de impedir críticas ao governo (seja em passeatas, jornais, músicas etc.).
Esse é o caso da China, cujo regime autoritário impede o acesso irrestrito à internet, além de monitorar o acesso que efetivamente permite aos indivíduos. Nesse caso, temos uma censura estatal, um enorme constrangimento à liberdade de expressão, assim como ao direito à informação.
Mas, e a censura que pode vir a ocorrer nas relações entre particulares? Será que já paramos para pensar nisso?
A era digital tende a descentralizar poder.
Quão poderoso é o Facebook e o Netflix, por exemplo, que estão presentes em praticamente todo o globo terrestre e possuem inegável poder de influência na vida de seus bilhões de usuários?
Quão poderosa é a internet, que está cada vez mais disponível por aí e apta a ser explorada? Quão abrangente, abstrato, complexo e também poderoso é o Big Data, cuja potencialidade está só começando a ser conhecida?
Como garantir a liberdade de expressão nesse tipo de sociedade?
Afinal, se subitamente fôssemos impossibilitados de usar os aplicativos que estamos acostumados ou mesmo que tivéssemos o conteúdo de nossas manifestações cerceado pelos respectivos controladores ou hackers? Não estaríamos diante de uma nova forma de censura?
E se o uso de determinadas plataformas ou mesmo o uso da internet fosse restrito pelo fato de que os usuários transmitem opiniões diferentes daquele que mantém a rede de acesso? Será que a publicação poderia ser tirada do ar? Essa reflexão é interessante porque, atualmente, as redes sociais fazem as vozes das ruas.
Quantas vezes emitimos nossa opinião política em uma delas (Facebook, Instagram, Youtube etc.) e quantas vezes o fazemos em vias públicas? Sem dúvida alguma: a opção virtual é bem mais utilizada. E se tivéssemos censura nessa seara?
Essa discussão é provocada porque atualmente existem reclamações relativas a perfis desativados ou links retirados do ar. As pessoas lesadas reclamam justamente de… censura!
Assim, longe de conseguir esgotar o tema, este texto é para alertar
sobre as diferentes formas e possibilidades de censura na
contemporaneidade.
Direito digital
O direito digital, que por alguns é considerado como um ramo autônomo do direito, responde por todas as demandas envolvendo as relações jurídicas travadas em ambiente digital.
Assim, relações consumeristas travadas na internet (os conhecidos e-commerces) são estudadas por essa esfera, como também os crimes cometidos através da internet são de interesse não só do direito penal, mas do direito digital. E por aí vai.
Portanto, existe uma conexão entre o direito digital e a liberdade de expressão, pois essa é uma das relações jurídicas conflituosas que surge no ambiente virtual, sendo necessário apoio do direito digital.
Como o direito digital poderia contribuir, por exemplo, para tal impasse, para além do direito constitucional, ramo onde repousa a previsão da liberdade de expressão como um direito fundamental?
O direito digital fará o trabalho de “reconhecimento de solo”, de investigação das condicionantes, de estudos sobre as novas tecnologias e dos limites éticos que devem ser aplicados às relações jurídicas que promovem. Resumindo, o trabalho de agregar novas disciplinas à matéria da liberdade de expressão, já que agora esse direito precisa ser garantido em outra esfera.
Liberdade de expressão e o direito digital
Como novo ramo, o direito digital é ainda pouco sistematizado, apesar de extremamente amplo – e a tendência é que apenas cresça. Assim, o terreno é fértil para construções e críticas, em nosso tradicional esforço de tese, antítese e síntese.
Neste sentido, uma rápida consideração sobre o chamado Marco Civil da Internet, Lei 12.965 de 2014, que “estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil”. O principal fundamento apresentado, já no caput do art. 2, é o “respeito à liberdade de expressão”.
Muitos dos princípios e fundamentos repetem questões que podemos encontrar em outros dispositivos do ordenamento, como o direito à privacidade, por exemplo. Outros aparecem como “novatos”, como é o caso da proposta de universalização do acesso à internet, cujo exercício passa a ser considerado, expressamente, como essencial ao exercício da cidadania.
Porém, a curiosidade que se vem a suscitar diz respeito ao art. 19, que começa dizendo “com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura”, dispõe em seus parágrafos 3º e 4º o seguinte:
§ 3º As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem como sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de internet, poderão ser apresentadas perante os juizados especiais.
§ 4º O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3º , poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. “
Salvo melhor entendimento, referida lei não precisa dispor, especificamente, sobre a competência, o teor e as regras para tutela antecipada de uma ação. Essas regras encontram guarida no Novo Código de Processo Civil, onde são de fato pertinentes. A crítica é que, por trás de um intuito anunciado, pode haver uma intenção não expressada.
O Marco Civil da Internet, embora majoritariamente festejado, é também alvo de críticas, no sentido de sua suposta distorção. Em termos mais claros: se o primeiro fundamento apresentado pela lei é a liberdade de expressão, é no mínimo incoerente que em um artigo (que começa se dizendo a favor de tal direito e contra a censura) discipline uma hipótese de cerceamento da mesma.
Isso porque, embora já se tenha dito, desde o início, que tal direito não é absoluto, a seara apropriada para analisar eventual excesso é o próprio caso concreto e, de mais a mais, a suposta “preocupação” do artigo não revela nenhuma novidade, considerando que repete conceitos da responsabilidade civil.
Talvez simbolicamente possa induzir ou facilitar interpretação contrária à liberdade de expressão, por mais incoerente que possa parecer.
Enfim, essa foi apenas mais uma reflexão não usual proposta. Quem
saberá aquilo que é certo e errado? Seguramente, só tem chances aquele
que de fato pensar. E esse é um esforço que só costumamos abraçar
mediante estímulo.
Conclusão
O objetivo central do texto foi demonstrar a relação que existe entre liberdade de expressão e direito digital, sugerindo algumas reflexões e contribuindo com a apresentação de alguns desafios que temos a encarar. O tema é amplo, rico e interessante. Então, até a próxima! 🙂
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