1. Introdução
A usucapião é uma forma de aquisição originária da propriedade de um bem móvel ou imóvel. Ela decorrente do exercício da posse por determinado lapso temporal, com intenção de dono e sem contestação de terceiros.
No caso de bens imóveis, ela é tão comum em nossa realidade que, não raras vezes, o próprio cliente já chega ao nosso escritório solicitando um orçamento para ingressar com uma ação de usucapião. (Ou usucampeão, como muitos dizem 😊). Por vezes, acontece até de já chegarem com planta e o memorial descritivo do imóvel! Acontece que nem sempre a ação de usucapião é o melhor meio para resolver a questão do imóvel (talvez não seja o mais rápido e nem o mais econômico).
Então, em quais casos realmente é recomendado o ingresso com a ação de usucapião, no caso de um bem imóvel (lote de terreno, casa, apartamento ou qualquer tipo de construção)?
2. Conceito de usucapião
Vamos começar fazendo uma breve introdução a respeito do motivo de este instituto estar presente em nosso ordenamento, quais são as espécies, seus respectivos requisitos e o que deve ser analisado para que se saiba se está diante de um caso de usucapião.
Contamos com essa possibilidade de aquisição de propriedade, chamada usucapião, em decorrência de alguns valores elencados pela Constituição Federal de 1988 como norteadores da nossa pátria, tais como a função social da propriedade e a segurança jurídica.
A função social da propriedade é um conceito jurídico aberto, mas podemos dizer, de maneira simplificada, que se relaciona com a utilidade do bem, ou seja, com o seu bom aproveitamento. Seguramente, poderíamos nos estender bastante somente nesse tópico, analisando os motivos da inserção da função social da propriedade em nossa Constituição e os seus reflexos, mas esse não é o objeto do presente texto. Podemos tratar em outro momento. Aqui, basta pontuar que a função social da propriedade é um dos pilares da justificação e legitimação da usucapião.
A segurança jurídica, por sua vez, é princípio que busca promover o maior nível possível de estabilidade e previsibilidade às relações humanas. Por esse motivo, a legislação prevê hipóteses em que uma situação de fato que se prolonga no tempo (posse) torne-se definitiva através da declaração de propriedade. Assim prevê o artigo 1.241 do Código Civil:
Art. 1.241. Poderá o possuidor requerer ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel.
Parágrafo único. A declaração obtida na forma deste artigo constituirá título hábil para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Dessa forma, dizemos que a usucapião é uma forma originária de aquisição de propriedade porque não se trata de uma transmissão de uma pessoa para outra, senão uma declaração da propriedade diante da posse mansa, pacífica e com ânimo de dono exercida por determinado período.
3. Características da posse
Nossa legislação prevê diversos tipos de usucapião e iremos abordar os requisitos de cada um deles adiante, mas, antes, é importante salientar que a doutrina prevê algumas características da posse que gera direito à usucapião comum a todas as modalidades, são elas:
3.1. Posse com intenção de dono (animus domini)
De acordo com Savigny, essa posse tem como conteúdo o corpus, elemento objetivo que se caracteriza pelo domínio fático sobre o bem, e o animus domini, de caráter subjetivo, consubstanciado na intenção de (ser) dono. Sendo assim, a pessoa que tem a intenção de usucapir deve exercer domínio fático sobre o imóvel e o possui com intenção de proprietário, dele usufruindo e o conservando.
Diante do narrado, não basta que uma pessoa meramente exerça a posse, como no caso de um locatário que, de fato, tem posse direta sobre o bem (apenas como um desdobramento da posse do locador). Por esse, motivo, via de regra o locatário não pode usucapir o imóvel objeto de locação. Não basta exercer a posse sobre um bem, há que se fazê-lo com ânimo de dono.
3.2. Posse mansa e pacífica
Esse é também um requisito fundamental a todas as ações de usucapião: que a posse seja mansa e pacífica! Compreende-se como mansa e pacífica aquela exercida sem qualquer protesto de quem tenha lícito interesse em defendê-la, ou seja, sem oposição. São casos em que não houve uma tentativa de retomada da posse, por exemplo, através de uma notificação, obstaculização física ou ação possessória.
4. Espécies de usucapião
4.1 Usucapião extraordinária
A modalidade da usucapião extraordinária está prevista no artigo 1.238 do Código Civil que prevê:
Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
Essa é a modalidade de usucapião aonde a pessoa pode usucapir independente de justo título ou boa-fé. Ou seja, ainda que a pessoa tenha entrado no imóvel de forma clandestina, por exemplo, ela terá direito à declaração da propriedade se, após quinze anos, a pessoa que tem o direito de reivindicá-la não o fizer.
O parágrafo único reduz o prazo para dez anos para os casos em que a pessoa que pretende usucapir o imóvel tenha estabelecido residência ou realizado obras e serviços de caráter produtivo. Exemplo: fez uma plantação no imóvel ou construiu uma fundação.
Apesar de muitos não verem sentido nessa modalidade de usucapião, haja vista a origem da ocupação, há que se admitir, por outro lado, que nessa hipótese o proprietário sequer conserva ou tem ciência sobre o imóvel, considerando que precisa ficar por, no mínimo, 10 (dez) anos inerte, sem tomar conhecimento ou providência a respeito da posse injusta de outrem.
4.2 Usucapião ordinária
A usucapião ordinária recebe esse nome por ser a mais “natural” e também comum. Aqui os prazos são menores, justamente diante da exigência de justo título e de boa-fé do possuidor. 10 (dez) anos, que podem ser reduzidos para 05 (cinco), se cumpridas as exigências do parágrafo único. Essa modalidade de usucapião está prevista no artigo 1.238 do Código Civil que diz:
Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.
Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.
E o que seria esse justo título? Regra geral, são justamente os famosos “contratos de gaveta” – que nada mais são do que contratos de promessa ou compromisso de compra e venda. Esses contratos, apesar de estabelecerem direitos e deveres entre as partes, não são capazes de transferir a propriedade de imóveis. Isso porque o artigo 108 do Código Civil prevê a exigência da escritura pública para os negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País. Já falamos sobre o tema no seguinte artigo: https://martamendesresende.jusbrasil.com.br/artigos/627288242/comprou-imovel-atraves-do-contrato-de-gaveta-saiba-quais-sao-seus-direitos .
Em Juiz de Fora – MG, por exemplo, a maioria dos imóveis superam esse valor e qualquer transferência passa a exigir a escritura pública, feita em Cartório de Notas que então será título hábil para o registro nos Cartórios de Registro de Imóveis.
E por que as pessoas não providenciam a escritura pública de compra e venda, limitando-se ao “contrato de gaveta”? Os motivos são diversos, mas normalmente o que leva os compradores e não providenciarem tal título são os custos que ele impõem. (os emolumentos do próprio cartório e o ITBI, imposto de transmissão que precisa ser pago à Prefeitura do Município.)
Ao final deste artigo apresentaremos uma breve apresentação dos custos que envolvem essa transação.
4.3 Usucapião especial rural
A usucapião especial rural está prevista no artigo 1.239 do Código Civil. Denomina-se especial diante dos requisitos peculiares elencado pela lei, senão vejamos:
Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
Nessa usucapião, além da intenção de dono e do tempo da posse, exige-se ainda que a pessoa que intencione a usucapião tenha fixado moradia no imóvel, tenha o tornado produtivo e não possua outro imóvel na qualidade de proprietário. Além disso o imóvel a ser usucapido não pode ter mais de 250 hectares.
4.4. Usucapião especial urbano individual
Assim como na modalidade acima evidenciada, a lei também prevê alguns requisitos estranhos às outras modalidades de usucapião. Vejamos o que preceitua o artigo 1.240 do Código Civil:
Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§2º O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
Na usucapião especial urbana, além da intenção de dono e do tempo da posse, exige-se que a pessoa que intencione a usucapião tenha fixado moradia no imóvel e não possua outro imóvel na qualidade de proprietário. Além disso o imóvel a ser usucapido não pode ter mais de 250 metros quadrados. A única diferença em relação à anterior é que uma diz respeito a imóveis rurais e, a outra, urbanos.
A lei prevê ainda que essa usucapião não será reconhecida à mesma pessoa mais de uma vez. Afinal, a intenção do legislador, que é função social da propriedade, poderia ser deturpada, criando-se indevidamente uma “indústria da usucapião”.
4.5. Usucapião especial urbana coletiva
A usucapião especial urbana coletiva é a modalidade mais complexa de usucapião trazida pelo Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), que em seu artigo 10 prevê:
Art. 10. A áreas urbanas com mais de duzentos e cinquenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são suscetíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
Podem se utilizar dessa modalidade possuidores de baixa renda. No caso de condomínio, o juiz atribuirá igual fração ideal do terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe. Há, contudo, a possibilidade de serem estabelecidas frações ideais diferenciadas pelos próprios condôminos (artigo 10, parágrafo 3º).
Essa inovação legislativa veio na tentativa de auxiliar a regularização fundiária de ocupações e acabou causando muita polêmica. Ainda assim é uma ação difícil de ser manejada, tendo em vista a quantidade de requisitos, bem como a própria dificuldade de consenso dos possuidores.
4.6. Usucapião familiar
Essa modalidade de usucapião foi incluída no Código Civil pela Lei nº 12.424, de 2011 e é muito específica. Vejamos o que diz o artigo 1.240-A do Código Civil:
Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§1º O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
Essa usucapião será utilizada quando o companheiro ou cônjuge, seja o homem ou a mulher, abandonou o lar por completo por assim dizer. Ou seja, é a hipótese em que a pessoa deixa de prestar assistência financeira ou emocional para a família, de modo que a posse passa a ser considerada como exclusiva daquele que ficou na casa, sem oposição.
O imóvel deve ter até 250 metros quadrados e a pessoa que pretende usucapir não pode possuir outros imóveis. Além disso, esse direito só é reconhecido uma vez para a mesma pessoa.
Uma breve simulação de custos
Na modalidade de usucapião ordinária, falamos sobre o “justo título” e sobre os gastos. Aqui faremos uma estimativa dos custos de uma transação de compra e venda de bem imóvel, considerando Juiz de Fora – MG como referência. A transação se dá através de escritura pública (cartório de notas) e depois é averbada na matrícula do imóvel (cartório de imóveis). A nossa base será um imóvel declarado no valor de R$350.000 (trezentos e cinquenta mil reais).
Cartório de notas: no mínimo, R$3.043,14 (três mil e quarenta e três reais e quatorze centavos) pela escritura pública, de acordo com a tabela de emolumentos de 2019 do TJMG, considerando que também são cobrados valores por serviços de arquivamento etc.
Prefeitura de Juiz de Fora: R$7.000 (sete mil reais) pelo imposto de transferência, considerando uma alíquota de 2% (dois por cento) para pagamento do ITBI. Considera-se o valor venal do imóvel, o valor declarado da compra um um valor de avaliação do próprio fisco.
Cartório de Registro de Imóveis: igualmente, R$3.043,14 (três mil e quarenta e três reais e quatorze centavos), de acordo com a tabela de emolumentos de 2019 do TJMG.
Nessa transação hipotética, levando em consideração um imóvel situado em Juiz de Fora – MG, o comprador do imóvel desembolsaria R$13.086,28 (treze mil e oitenta e seis reais e vinte oito centavos) para deixar o imóvel registrado em seu nome, fazendo-se a transferência através de escritura pública. Diante dos custos elevados, muitas pessoas optam por fazer um contrato particular de (promessa) compra e venda e deixam para regularizar o imóvel posteriormente.
Diante dos custos elevados, muitas pessoas optam por fazer um contrato particular de (promessa) compra e venda e deixam para regularizar o imóvel posteriormente, quando tiverem condições financeiras para arcar com os custos.
No caso da ação de usucapião, a sentença substitui a escritura pública para fins de transferência da propriedade; não sendo cobrado imposto de transferência (já que a propriedade considera-se originária), arcando apenas com os custos relativos ao registro no Cartório de Imóveis. Há uma exceção para o não pagamento dos emolumentos, que é quando a parte é beneficiária da justiça gratuita, concedida no bojo do processo judicial.
Uma breve simulação de custos
Conforme antecipamos acima, no tópico relativo à usucapião ordinária, segue uma breve apresentação sobre os custos estimados de uma transação de compra e venda.
Considerando a cidade de nossa sede como referência, Juiz de Fora – MG, vamos realizar um cálculo estimado dos custos para transferência de um imóvel por contrato de compra e venda feito mediante escritura pública no cartório de notas e depois averbado no registro de imóveis aonde está situada a matrícula do imóvel. A nossa base será um imóvel declarado no valor de R$350.000 (trezentos e cinquenta mil reais), o que em Juiz de Fora seria o valor estimado de mercado de um apartamento de dois quartos em um bom bairro.
Cartório de notas: no mínimo, R$3.043,14 (três mil e quarenta e três reais e quatorze centavos) pela escritura púbica, de acordo com a tabela de emolumentos de 2019 do TJMG, considerando que também são cobrados valores por serviços de arquivamento etc. Prefeitura de Juiz de Fora: R$7.000 (sete mil reais) pelo imposto de transferência, já que o ITBI aqui é calculado no percentual de 2% (dois por cento) sobre o maior valor indicado, seja o valor venal do imóvel ou o valor declarado da compra. Cartório de Registro de Imóveis: igualmente, R$3.043,14 (três mil e quarenta e três reais e quatorze centavos), de acordo com a tabela de emolumentos de 2019 do TJMG.
Nessa transação hipotética, levando em consideração um imóvel situado em Juiz de Fora – MG, o comprador do imóvel desembolsaria R$13.086,28 (treze mil e oitenta e seis reais e vinte oito centavos) para deixar o imóvel registrado em seu nome, fazendo-se a transferência através de escritura pública. Diante dos custos elevados, muitas pessoas optam por fazer um contrato particular de (promessa) compra e venda e deixam para regularizar o imóvel posteriormente.
No caso da ação de usucapião, a sentença substitui a escritura pública para fins de transferência da propriedade; não sendo cobrado imposto de transferência (já que a propriedade considera-se originária), arcando apenas com os custos relativos ao registro no Cartório de Imóveis – salvo se o mesmo for beneficiário da justiça gratuita, caso em que esse benefício do processo judicial se estende aos emolumentos cartorários.
5. Conclusão
Diante de tudo que foi aqui exposto, deu para perceber que a usucapião é uma modalidade que demanda o preenchimento de diversos requisitos. Embora seja corriqueiramente tida como a principal forma de regularização da propriedade, tudo deve ser verificado caso a caso.
E um aviso importante! Contate um advogado antes de fazer a planta e memorial descritivo! Isso pode evitar gastos desnecessários porque pode estar presente no caso alguma causa que obsta, interrompe ou suspende a prescrição aquisitiva da propriedade.
Caso precise de uma consulta a respeito da regularização do seu imóvel, marque um horário com conosco! Contamos com uma equipe especializada e pronta para lhe atender. Será que no seu caso será indicada uma ação de usucapião (ou usucapial, usucampeão, como preferir 😊)?
Para mais informações: contato@bottimendes.com.br